A verdade é (uma virtude) um hábito...
“Em mundo que se fez deserto temos sede de encontrar companheiros”
Saint-Exupéry
A
Copa passou, deixando várias lições, sendo esta a mais importante: fora
do trabalho em equipe, não há salvação. Guimarães Rosa entendia tanto
disso que colocou no seu Grande Sertão - Veredas: “O capinar é
sozinho... a colheita é comum”. O danado é como criar o hábito de
trabalhar em equipe, se desde o início da nossa formação educacional
somos treinados a trabalhar sozinhos? E um hábito não se muda da noite
para o dia...
Vejam
o que um hábito é capaz de fazer. Inicio da Copa. Todos aqui em casa
decidimos: assistiríamos aos jogos do Brasil, mas nada de camisa, de
estresse, de torcida apaixonada, afinal, os desmantelos no pré-copa,
onde a nação foi terrivelmente subtraída em tenebrosas transações,
estava (e ainda está) doendo muito na alma, e no bolso, de todos nós. No
entanto, a cada jogo, acontecia algo interessante. Bastava a seleção
entrar, e o hino começar a soar em nossos ouvidos que tudo mudava. E de
torcedor indiferente, passávamos a torcedor apaixonado. Dizem que a alma
é uma música: a melodia do hino nacional trazia a lembrança do passado,
onde éramos acostumados a torcer, sem colocar a política entre nós e a
seleção... a música trazia o velho hábito e “quando um hábito surge, o
cérebro para de participar das decisões”. Quem assumia a função de
pensar, naquele momento, era o coração...
Então,
se Shakespeare fosse vivo, com certeza ele mudaria a frase: somos
feitos dos nossos sonhos; para: somos feitos dos nossos hábitos. E
hábitos esses que nem sempre são saudáveis, por isso que o escritor
Fernando Teixeira tem razão ao pedir: “Há um tempo em que é preciso
abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e
esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o
tempo de travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para
sempre, à margem de nós mesmos”. Os viciados em jogos, drogas, sexo,
etc., etc. deveriam utilizar esse texto como um mantra diário...
Existem
artigos científicos - acho até modestos esses números-, mostrando que
mais de 40% das nossas ações diárias não são decisões de fato, mas sim
de hábitos. Eu tenho um conhecido que vive um relacionamento bem
estranho com a sua namorada: a cada três meses, eles pegam uma grande
briga e passam 15 dias sem se falarem. Outro dia, ele me confidenciou:
“faltavam 12 horas para completarem os 90 dias. E nada de briga. Era uma
paz que chegava a incomodar. Então, peguei o telefone e, sem mais nem
menos, disse que ela não era a mulher da minha vida. E desliguei.
Amanhã, será o décimo quinto dia sem nos falarmos. E eu já ensaiei o
discurso de desculpas, para ela”...
O
fato é que mudar um hábito não é fácil! “Os hábitos nunca desaparecem.
Estão codificados nas estruturas do nosso cérebro, e essa é uma enorme
vantagem para nós, pois seria terrível se tivéssemos que reaprender a
dirigir depois de cada viagem de férias”. Entretanto, tem o outro lado
da moeda. O que pode parecer uma vantagem, pode transformar-se em um
perigo enorme. Os nazistas tanto sabiam disso que basearam toda a sua
política em: “uma mentira dita 100 vezes, torna-se verdade”. A Verdade -
que deveria ser uma virtude-, é de fato um hábito... Acreditamos no que
nos acostumamos a acreditar...
E
para um mundo cheio de mentiras é assim que se caminha a humanidade. E
engana-se quem pensa que, no mundo globalizado, temos as informações
verdadeiramente verdadeiras... Lemos não a verdade, mas sim a verdade
que alguém quer nos vender... É terrível admitir que Mark Zuckerberg
(Fundador do Facebook) tenha razão ao dizer: “A morte de um esquilo na
frente da sua casa pode ser mais relevante para os seus interesses
imediatos do que a morte de pessoas na África”...
E,
hoje, baseado nos nossos hábitos, as empresas direcionam o seu
marketing para o indivíduo e não para o coletivo. É o marketing
geneticamente induzido. Assim, se eu colocar a palavra vinho no Google,
terei como resposta uma série de sites bem diferentes da mesma busca
realizada por outra pessoa. Desde 2009, o Google faz busca
PERSONALIZADAS para todos. Cada um já tem o seu Google individual. “Um
mundo construído a partir do que é familiar é um mundo no qual não temos
nada a aprender”...
Dizem
que “a democracia exige que os cidadãos enxerguem as coisas pelo ponto
de vista dos outros; em vez disso, estamos cada vez mais fechados em
nossas próprias bolhas”. Criamos links, que são pontes invisíveis e,
mesmo assim, elas estão se desmoronando... O WhatsApp que o diga,
afinal, estamos tão perto dos distantes; tão longe dos que estão
próximos...
É
preciso, portanto, que algumas questões sejam imediatamente
respondidas: se continuaremos com cada um por si, Deus será por quem? Se
ficarmos cada um no seu mundo - sem haver necessidade do trabalho em
equipe, mas sim de “times” dependentes de um único individuo-, quantos
7x1 ainda teremos que enfrentar?!
Francisco Edilson Leite Pinto Junior – Professor, médico e escritor
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