Nos tempos do AI-5, ainda
se fazia poesia em Natal
Luiz Gonzaga Cortez
Nos anos sessenta, isto é, em
pleno regime militar que restringiu a liberdade de expressão e criação
artístico-literária no país, em Natal, foram editados diversos jornais e boletins sobre o movimento
poético natalense. No interior, em Mossoró e Caicó ocorreram algumas
publicações de pequenas tiragens que deverá ser motivo de abordagens por outros
pesquisadores dessas localidades, polos da economia potiguar. A Diocésia era um jornalzinho com
impressão tipográfica feita pessoalmente por João Carlos Vasconcelos, que
residia na rua Mipibu, Cidade Alta. Conheci-o no Instituto Histórico e
Geográfico, na rua da Conceição, assim como a sua “gráfica”, com o meu amigo
Francisco de Assis Varela Barca, o popular Chico Canhão. João Carlos custeava
integralmente a publicação, especializada em notícias dos nossos intelectuais,
principalmente a produção dos trovadores. O baixinho João Carlos era um
Hércules, fumando ou não um charuto. Após o AI-5, ele ainda publicou A
Diocésia, fundado em 1964, “órgão da Academia Diocésia”, com periodicidade
anual, que deveria ser tema de tese de mestrado de alunos do curso de letras de
alguma das universidades que proliferam em Natal. O “Jornal Jovem”, de Rossini Ferraz e Francisco Elias, também circulou
após o AI-5, conforme o nº 6 da edição publicada em 6 de julho de 1969, quatro
meses depois das cassações dos irmãos Alves, Aluízio (este pertencia aos
quadros da Arena-2, a verde), Garibaldi
e Agnelo.
O “Jornal Jovem”, um tablete de quatro páginas tinha cobertura
publicitária do comércio de Natal e publicava notícias sobre cinema, os avanços
da ciência, futebol e notícias curtas numa coluna intitulada “Natal em Foco”. Muitas empresas que
anunciavam no jornalizinho sumiram do mapa comercial, como a Casa Ruby, Posto
Prudêncio, “Fernando Bezerril – Corretagem e Representações”, “A Nova Paris”,
“Transrádion”, “Farmácia Menezes”, “Casas Cebarros” , “Café Vencedor” , “L.A.
Medeiros”, “Bateria Moura”, de Nazareno Costa, “Studio Braulycollor” , “Lojas Ideal” , “Casas
Sem Nome” – o nome da sua casa de tecidos”. Os eslogans publicitários podem
ser, hoje, simples e modestos. Por exemplo um anúncio das Lojas Ideal dizia o
seguinte: “Uma firma que está embalada no comércio de móveis e
eletro-domésticos. LOJAS IDEAL - está
abafando! Preços que “vou te contá”!!! (sic) – Rua Amaro Barreto, 1244 –
Alecrim”. É, parece que está embalada mesmo, pois ainda abre as portas no mesmo
endereço. E sobre as baterias Saturno e Heliar: “Duram até se acabar!!! Mas, se
nunca se acabam de tanto durar?” Já o anúncio de Nazareno Costa garantia que
“Ela é boa demais. Ela é A”.
Numa matéria sobre futebol
assegurava “ABC: Pra frente a todo vapor”, o melhor e qualquer time da região Nordeste poderia
vencê-lo, que estava em franca e espetacular ascensão e que “ o seu ídolo –
Alberi – está tomando gosto pela situação e vem crescendo assustadoramente de
produção, ele, que no início, não estava rendendo nem trinta por cento do portentoso
futebol que apresentou no ano passado”. Já sobre Esquerdinha, que aqui chegou
com fama de craque, o redator registrava que o jogador apresentou “pose, pinta,
bossa, menos futebol”.
Pois é caro leitor, muitos antes
de “A Trombeta”, de Sebastião Soares,
“Tao”, de Edílson Freire Maciel, e “Germinal”,
de Rodrigues Neto, que desapareceram nos anos 80/90, divulgando trova e poesia
, circularam muitas publicações “oficiais” e “alternativas” na antiga taba de
Poty. Faltam as pesquisas sobre essas publicações. Faltam as pesquisas sobre a
“Escola de Jovens Poetas Natalenses”, que promoveu a IIª Exposição de Poesias,
na Galeria de Arte de 25 a 31 de maio de 1968. A Galeria de Arte ficava na
praça André de Albuquerque, Centro de Natal, defronte a uma lateral do antigo
Palácio Potengi, desnecessariamente demolida na gestão do prefeito Vauban
Bezerra de Faria, que não tinha nenhum compromisso com a cultura natalense. Os
jovens poetas realizaram uma tertúlia no
Instituto Histórico e Geográfico do RN, sob a batuta dos poetas Jayme
dos G. Wanderley e Roberto Lima de Souza e Nadja Maria Fernandes de Alencar
(por onde anda essa poetisa? E o “Grupo Forte” fraquejou e morreu?). Roberto
Lima está aí novamente se destacando como um grande nome na música regional
brasileira. Na 1ª Semana de Artes da E.J.P.N., Roberto apresentou os poemas
Ciranda do amor que vai morrer de velho e nascer criança, Poeta, A estátua
desaparecida, Cigarra, Coqueiros, Minhas Miragens, Conversa com a chuva e
“Perna de Pau”, além de Canção das cantigas de minha terra. Foi uma semana de
muita cultura, homenagem a C. Cascudo, com a participação da Academia de Trovas
do RN, de Enélio Petrovich, Maria Eugênia Maceira Montenegro, das irmãs de
Roberto, Nalba e Regina Lima de Souza, Naide Palhano Moreira, Maria de Fátima
Fernandes, Nair Freire Damasceno, Olinto de Medeiros Rocha, Maria Elisabete
Andrade, José de Arimatéia Soares, Maria Natividade, Safira Fernandes, Arnaud
Barros e Jaime de Medeiros Filho.
Havia o policiamento e a censura
federal para castrar a produção poética. Roberto Lima teve problemas com a
polícia porque fez um poema sobre a favela de Mãe Luíza, hoje um dos celeiros
de delinqüentes, traficantes e assaltantes da província potengina. Mas isso é
outra história.
Luiz Gonzaga Cortez é jornalista
e pesquisador.
Revisado em 22.07.2008.
Republicado em 17.06.2012.
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