Por onde anda Terezinha de Jesus?
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Se a cama de casal entrar, a senhora de cabelos brancos e olhos
calmos verdes precisa ficar do lado de fora. O quartinho minúsculo de
um antigo pensionato, localizado no bairro do Tirol, há cerca de 20 dias
abriga uma das cantoras de maior sucesso da história de Natal, muito
embora o leitor não vá encontrá-la no Spotify, tampouco nas banquinhas
de CDs piratas da Avenida Rio Branco.
Terezinha de Jesus lançou cinco álbuns entre 1979 e 1983, com
contratos fixos pela CBS e depois pela SONY, gravou clipes para o
Fantástico, foi apadrinhada por Paulinho da Viola, emprestou sua voz a
composições de nomes famosos como Moraes Moreira e Sivuca, fez diversas
aparições em programas da época, como o do Chacrinha, mas hoje vive da
aposentadoria como autônoma e da renda extra que alcança todo mês sendo
vendedora de produtos cosméticos da Natura.
A vida não tem lhe poupado desafios. O mês estava começando quando
Terezinha se vestia após o banho em sua casa, no bairro de Areia Preta.
Ela ouviu um barulho e correu para ver o que tinha acontecido. Uma parte
do morro de terra cedeu com as chuvas e invadiu o quintal, ameaçando
inclusive as residências dos vizinhos.
As equipes técnicas da Defesa Civil e da própria Prefeitura
Municipal decidiram interditar o imóvel e outras três casas próximas.
Aos 64 anos, Terezinha se viu pela primeira vez na vida sem um teto para
morar e sem assistência direta do poder público, que não a orientou,
segundo ela, sobre as condições necessárias para conceder aluguel
social. A obra de reforma nas casas interditadas, porém, será bancada
pela prefeitura.
O pensionato em que por enquanto ela reside ouviu falar a partir de
uma amiga, e mesmo pagando mais caro pelo novo local do que pelo
aluguel da casa de Areia Preta, mudou-se na companhia de sua irmã
Odaíres há cerca de duas semanas. Desde então as duas dormem em redes e
passam o dia assistindo TV, único objeto da casa antiga que coube nas
instalações em que se abrigam agora.
“Ficou tudo na minha casa, onde há riscos de um novo desmoronamento
ou mesmo de as pessoas levarem”, lamenta Terezinha, sentada em uma
cadeira de plástico, encostada na porta do quartinho de número 15.
Ao menos três vezes na semana, ela vai observar o imóvel e diz que
até agora os serviços de reparo não começaram nem na sua casa e nem nas
demais. “Não nos deram nenhuma previsão de quando poderíamos voltar, só
disseram que seria um serviço muito rápido, mas até agora não
começaram”, conta.
Na casa alugada há cerca de seis anos moram ela, a irmã e o marido,
atualmente passando o período de desabrigo na casa da ex-mulher. “É
complicado. Meu quintal não existe mais e o muro de um dos vizinhos
caiu”, reforça Terezinha, com medo do intenso período de chuvas nesta
época do ano.
“Eu sempre estou tentando trazer alguma coisa de lá quando vou, mas
nada cabe nesse quarto. Fico ansiosa ainda por não saber quando isso
vai acabar”, comenta tristonha a cantora que não pisa em um estúdio para
gravar um novo álbum desde 1984, quando as portas começaram
repentinamente a se fechar para ela.
Questionada pela reportagem, a assessoria de imprensa da prefeitura
informou que o assunto em questão deveria ser tratado com a Secretaria
Municipal de Habitação, Regularização Fundiária e Projetos
Estruturantes, responsável pelo programa de aluguel social e de
desapropriações em Natal, mas o titular da pasta, Getúlio Batista, não
retornou nossas ligações até o fechamento desta matéria.
TEREZINHA DO BRASIL
Se o leitor faz parte de uma geração anterior à década de 90
certamente não desconhece o êxito que Terezinha de Jesus ou Tiazinha,
como também era conhecida, obteve em âmbito nacional numa época que
sequer existia o fenômeno do Facebook para compartilhar vídeos e
músicas.
Tudo começou em 1978, quando ela foi uma das cantoras selecionadas
no “Projeto Vitrine”, da recém-criada Funarte, gravando um compacto
duplo com as primeiras canções da carreira. Natural de Florânia,
interior potiguar, ela já considerava o feito como a sua maior vitória
até ali.
O compacto duplo foi apenas uma porta para que no ano seguinte, em
1979, gravasse o primeiro LP, sendo agora uma das cantoras do catálogo
fixo da gravadora CBS. Nos anos seguintes, a rotina de estúdio só
aumentou e ela chegou a lançar outros quatro discos: “Caso de Amor”
(1980), “Pra incendiar seu Coração” (1981), “Sotaque” (1982) e “Frágil
Força” (1983), já pela SONY, gravadora com a qual manteve contrato até
1984.
Terezinha de Jesus fazia parte de uma safra de mulheres fortes que
emergiam do cenário musical do Nordeste, como Elba Ramalho, que
despontava na mesma época. A potiguar chegou a participar de todos os
programas da televisão brasileira daquele período. “Menos o de Hebe,
infelizmente no de Hebe eu nunca fui, não sei por quê”, lamenta,
lembrando-se do tempo áureo.
Mesmo sem contrato a partir de 1984, quando os convites começaram a
rarear, Terezinha ainda continuou no Rio de Janeiro em plena atividade
com sua carreira. “O problema é que as aparições na TV eram fechadas
diretamente entre a emissora e a gravadora, sempre por causa dos
lançamentos de discos”, explica.
A situação perdurou até o começo da década de 90, quando ela voltou
de vez para Natal e participou de alguns projetos como o extinto “Seis
& Meia”, além de shows esporádicos, rotina que em nada lembrava o
início da década de 80, quando não conseguia atender a agenda.
“Quando eu vinha para Natal visitar a família ou promover os
discos, eu já aproveitava e ia direto para várias cidades do interior do
RN e também aos estados vizinhos. Acabava virando uma grande e calorosa
turnê nordestina”, lembra Terezinha, que viajou o país inteiro na
época.
Entre os nomes com quem era acostumada a dividir o palco está o de
Paulinho da Viola, considerado pela imprensa como o padrinho da cantora.
Adicione na lista ainda Moraes Moreira, Fagner, Gonzaguinha e Tim Maia,
de quem foi backing vocal por um bom tempo ainda na década de 70. Dele
Terezinha se lembra com sorriso largo no rosto.
“Tim, quando estava de bom humor, era maravilhoso. Mas queria me
fazer comer no mesmo ritmo que ele comia, porque ele comia muito”, conta
dando uma gargalhada tímida, dizendo ainda que chegou a negar um
segundo convite de Tim Maia para sair em turnê com ele. “Ele gostava
bastante da minha voz, mas na segunda vez que me chamou eu já estava com
meu primeiro LP lançado, focando mesmo a minha carreira solo”, explica.
O DIA EM QUE QUASE FOI ENGOLIDA POR UMA LEOA
Entre as várias histórias de bastidores que ela compartilha, uma
chama atenção: o dia em que quase foi engolida por uma leoa, enquanto
filmava cenas para o clipe de “Odalisca em Flor”, frevo composto por
Moraes Moreira e Waly Salomão gravado por ela em um de seus discos.
O vídeo era um dos tantos icônicos que o Programa Fantástico da
Globo produzia com os artistas da época. A ideia inicial para o vídeo de
Terezinha era colocá-la em cima de um elefante, com um vestido vermelho
esvoaçante que havia acabado de comprar.
A proposta não foi para frente por conta da própria Terezinha, que
preferiu ficar em solo durante todo o vídeo, até quando durante uma cena
na praia em que ela corria junto com crianças na beira do mar, um pouco
à frente de uma leoa levada para as gravações com seu domador, as
coisas desandaram.
“Quando eu penso que não, sinto um peso nas minhas costas tão forte
que o vestido saiu arrastando no chão. Olhei pra trás era a leoa que
tinha se soltado do domador. Menino, eu corri tanto, mas tanto que só
parei depois que passei de todos os caminhões da Globo”, conta a cantora
em meio a risadas.
Questionada se desejaria retornar aos estúdios, ela garante que é
um de seus maiores sonhos, até porque sente mais saudade dos estúdios do
que dos palcos. “Eu tento de todas as formas (gravar), mas sei que
minha época já passou e que minha saúde não permite”, assinala.
“Escolhia minhas músicas não por conta do retorno financeiro, mas pela
poesia que tinha nelas. Queria muito gravar um álbum de novo”, frisa
sem esconder a emoção.
A última aparição pública da artista ocorreu em março deste ano no
auditório da Escola de Música da UFRN, quando Terezinha de Jesus foi
homenageada pela primeira turma de canto popular da universidade.
Naquela ocasião apresentou cerca de três músicas. “Me senti muito amada
porque muitos que estavam ali disseram que me ouviam desde aquela
época”, conclui a cantora que poderá participar de um documentário sobre
sua vida atualmente em fase de pesquisa e captação de
patrocínios/recursos.
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