terça-feira, 24 de novembro de 2015



Marcius Cortez  [ escritor ]

A exposição sobre Luís da Câmara Cascudo no Museu da Língua Portuguesa me remeteu a bela aventurança das moças bonitas que vivem no fundo do rio. Os alunos das escolas públicas da cidade de São Paulo em contato com a mostra parecem sob o efeito mágico das sedutoras Iaras. A garotada faz um sarceiro gostoso, para usar uma expressão do Mestre Cascudo, quando diante das fotos e dos textos sobre a obra e a vida do etnógrafo potiguar. Em seguida, após dançar com as lindas e coloridas bailarinas, mergulham no silêncio “plugados” nos fones de ouvido onde se abastecem de informações sobre a história dos nossos doces e da nossa gostosa comidinha. Logo ao lado, uma surpresa espera por eles, a tenda, em forma circular, confeccionada com um pano branco dependurado do teto ao chão e que não tem nada no seu interior, pois a ideia é que aquele espaço sirva para um momento de reflexão porque, atenção, atenção, o que vem na sequência, é um corredor inteiro onde foi instalado o espelho d’água que reflete a nossa alma. Sim, é naquele corredor que “asucede” o encontro do povo brasileiro com as histórias que ele próprio criou: Saci Pererê, a Mula Sem Cabeça, o Lobisomem, o Boto, a Iara.   

A Mula Sem Cabeça só falta cavalgar, o Saci é do tamanho de uma criança já o Lobisomem é meio baixinho porque conforme reza o folclore é melhor não se meter com baixinho. Numa palavra, a cenografia nos convence. A empolgação do público atinge um alto grau de veemência. Leio no painel luminoso a advertência de que aquele que se entregar aos cantos da Iara irá gozar com ela de uma eterna bem aventurança no fundo d’água onde a moça tem seu palácio e a vida é um folguedo sem termo. Pronto, tá tudo explicado. Diabo de vida difícil leva o pobre brasileiro e aí quando lhe aparece um pedaço de mau caminho, cê acha que ele vai resistir ao ardente desejo de se unir a bela Iara? 

      A vida é para ser vivida, o samba é para ser dançado, a rapsódia é para ser fabulada. Astutos intérpretes do povo, o natalense Cascudo e o paulista Mário de Andrade já conheciam o jogo de cintura da gente brasileira desde 1929 quando se encontraram em Natal e em Goianinha, na fazenda “Bom Jardim” dos meus estimados amigos de infância, Babá e Alfredinho. Leituras intermináveis dos livros do etnógrafo alemão Koch-Grunberg, pesquisas de campo, levantamento de dados, muita teoria e muita antena ligada 24 horas por dia. Hoje oitenta e seis anos depois, ambos se reúnem outra vez na Estação da Luz, outra vez São Paulo e Natal. Faço uma pausa, vou até a janela olhar o Jardim da Luz e misteriosamente escuto o apito da Maria Fumaça quando vejo Macunaíma, atrás de uma árvore, ele dá risada e nos acena dizendo que tudo isso que está aí é passageiro e que o resto são lotações.

Dedico esse crônica a meu tataravô João Tibúrcio que ensinou Latim ao Cascudinho, como o chamava Mário de Andrade.  (marciuscortez@hotmail.com)            

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