Pequenas Ficções CXXXVII
Clauder Arcanjo
Para Nilto Maciel
(In memoriam)
Olhos de salitre
Tempo de espera. Olhos no distante além. Sem sombra de paz. Na mente,
em relampejos de clarividência, uma voz esganiçada, brigona. “Não
vem. Não vem, é?...”
Novo aguardo. Desta feita, olhar já cansado. Sem naco
de sossego. No corpo, em tremores de dúvida, uma ordem gritada, mandona.
“Não vem. Não vem, viu?”
Tempo de desespero. Olhos de salitre.
***
Nos lábios, o bom-dia mascado e com raios de sanguínea ira. Desagradável.
Meio-dia, à mesa, garfo e faca a picar e cortar a carne dura, em
movimentos de quase carnificina. Desagradável.
Na rede, sesta inquieta, o ronco da discórdia, a ruminar as desventuras
últimas, em pragas sucessivas. Desagradável.
À noite, na quietude do quarto escuro, a entrega ao coito, em fantasia
de devassa: carnal, sanguínea, movida a palavrões e tangida por açoites.
Amantissimamente... (des)agradável.
Reflexão
Domingueira
CCCXI
Não sei se haverá silêncio no reino das palavras com a inopinada
partida de Nilto Maciel. Penso que não. No máximo, receio, os vocábulos
recolherão seus barulhos de insignificância para o esgoto das páginas,
para, enfim, pouco depois, (re)colherem, sob o arpejo mais divino, a
mansuetude marota de quem se fez mestre, urdindo o verso mais singular,
em meio ao universo carnavalesco do livro das ilusões nunca extintas.
Reflexão
Domingueira CCCXII
Baturité nos presenteou com Nilto Maciel; e ele, apesar do Distrito Federal,
mesmos em meio às tantas Fortalezas, nunca deixou de se (d)escrever
como o mais universal dos provincianos.
Clauder Arcanjo
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