O PAPEL DOS ARQUITECTOS E ENGENHEIROS-MILITARES NA TRANSMISSÃO DAS FORMAS URBANAS PORTUGUESAS
Margarida Valla
Comunicação apresentada no IV Congresso Luso-Afro-Brasileiro, Rio de Janeiro,1996
Comunicação apresentada no IV Congresso Luso-Afro-Brasileiro, Rio de Janeiro,1996
No início do século XVI, Portugal
construiu pequenos fortes e estabeleceu núcleos urbanos ao longo da costa em África e
Oriente. Com o desenvolvimento comercial , a partir da segunda metade do século XVI houve
necessidade de reformular as muralhas e ampliá-las o que levou a uma reestruturação da
malha urbana e simultâneamente novos núcleos urbanos foram estabelecidos na costa do
Brasil. Os primeiros núcleos portugueses estariam na base duma herança medieval
portuguesa e a construção de pequenos fortes e fortalezas no príncipio do século XVI,
na época de D.Manuel, ainda estariam ligados a sistemas medievais, com torreões
cilindrícos que foram aplicados em sistemas defensivos em todas as cidades de fronteira
portuguesas por volta dessa época. Os novos sistemas de fortificação baseados em
poligonos regulares e com baluartes e o novo conceito de urbanismo relacionado com a
"cidade ideal" foram introduzidos em Portugal a partir do reinado de D.João
III, na primeira metade do século XVI. Nessa época foram realizadas algumas traduções
de obras como Sagredo, Vitrivius, Palladio, obras clássicas que fundamentaram os ideais
renascentistas.
Os teóricos italianos optaram pela simetria, pelas formas geométricas como linhas perpendiculares e rectas. Na cidade ideal as ruas deveriam ser direitas e largas e baseadas numa quadrícula. No tratado de Pietro Cataneo de 1554 a praça principal está no centro do polígono onde se irá localizar os principais edifícios, e todos os tratados renascentistas se baseiam numa regularidade que será assumida na prática de várias formas, mas a preocupação de atingir essa perfeição correponde a um acto de planeamento. A fortificação interrelacionada com estes ideais vai introduzir também conceitos de regularidade. O baluarte era a forma mais avançada de defesa para proteger os lados do polígono. Os baluartes deveriam ser simétricos em relação aos lados (cortinas). Em 1567 Giorgio Martini foi encarregado de construir uma cidadela em Anvers e foi uma obra que serviu de modelo aos futuros engenheiros-militares, baseava-se num pentágono que era a forma mais perfeita de defender todos os lados da fortificação. A construção de Palmanova em 1593 com a marcação central duma praça e com um traçado radial irá ser também uma referência em todos tratados de fortificação do século XVII.
Os teóricos italianos optaram pela simetria, pelas formas geométricas como linhas perpendiculares e rectas. Na cidade ideal as ruas deveriam ser direitas e largas e baseadas numa quadrícula. No tratado de Pietro Cataneo de 1554 a praça principal está no centro do polígono onde se irá localizar os principais edifícios, e todos os tratados renascentistas se baseiam numa regularidade que será assumida na prática de várias formas, mas a preocupação de atingir essa perfeição correponde a um acto de planeamento. A fortificação interrelacionada com estes ideais vai introduzir também conceitos de regularidade. O baluarte era a forma mais avançada de defesa para proteger os lados do polígono. Os baluartes deveriam ser simétricos em relação aos lados (cortinas). Em 1567 Giorgio Martini foi encarregado de construir uma cidadela em Anvers e foi uma obra que serviu de modelo aos futuros engenheiros-militares, baseava-se num pentágono que era a forma mais perfeita de defender todos os lados da fortificação. A construção de Palmanova em 1593 com a marcação central duma praça e com um traçado radial irá ser também uma referência em todos tratados de fortificação do século XVII.
Estes ideais foram introduzidos em Portugal
através de técnicos que se deslocavam a Itália como Miguel Arruda, João de Castilho,
Francisco de Holanda, entre outros. Os monarcas portugueses, a partir do século XVI,
também chamaram arquitectos estrangeiros, principalmente italianos, como Boytac, Diogo de
Ravena que visitou todas as praças de África em 1533, Cairati que conduziu as obras e
desenhou as fortalezas da África Oriental e Índia. Este intercâmbio entre técnicos e a
circulação de experiências irão ter a sua expressão fora do próprio território
continental onde o campo de acção era mais livre e mais premente novas intervenções.
A necessidade de um sistema administrativo
que supervisionasse estas obras de fortificação e de urbanismo levou à criação de
cargos preenchidos por técnicos que mais tarde, já no século XVII, se denominavam
"engenheiros-militares". Estes técnicos tinham uma acção alargada de
intervenção que poderia abranger projectos de arquitectura civil e religiosa ficando a
seu cargo todas obras públicas nos locais onde eram nomeados. O cargo de Engenheiro-mor
era de grande importância que tinha por função a direcção de todas as obras gerais de
fortificação de todo o território, em Portugal e nos diversos continentes. Dado a
quantidade de fortalezas e cidades que se estabeleceu na costa de Índia foi necessário
nomear Giovanni Battista Cairati engenheiro-mor da Índia em 1583 e mais tarde em 1603
Luis Frias de Mesquita engenheiro-mor do Brasil. Este cargo no topo da hierarquia militar,
estava directamente relacionado com o Rei, que nomeava os engenheiros para diversos cargos
e que lhe escreviam extensos relatórios retratando o estado da situação das obras ou de
problemas referentes às remunerações. Os engenheiros-militares eram militares que
poderiam ter o título de "engenheiros". Esta nomeação passaria por escolas de
formação ministradas em Portugal a partir dos finais do século XVI e por uma
aplicação prática de intervenção em diversos territórios.
As Escolas de Formação dos
Engenheiros-Militares
A partir do final do século XVI tornou-se
uma necessidade a formação de técnicos em escolas mais especiliazadas nos métodos de
fortificação. No início, o ensino dedicava-se mais à cosmografia e em 1570 Pedro Nunes
, cosmógrafo-mor, dava aulas de matemática. Algumas das cadeiras relacionadas com a
cosmografia e com a cartografia, como a matemática e a geometria serão semelhantes
àquelas ensinadas no Colégio de St. Antão , fundado no final do século XVI, e gerido
pelos padres Jesuítas. Esta escola será aquela que formou os engenheiros-militares do
século XVII, visto que as matérias leccionadas estavam relacionadas com a ciência da
engenharia militar. É o próprio Padre Simão Fallónio que estava encarregue da
"Aula da Esfera" em 1635 que depois desenhou em 1641, as fortalezas na costa de
Portugal a pedido de D.João IV. O padre Inácio Stafford, que ensinava nesta escola,
escreveu um compêndio de matemática interligado com a arte de fortificar1.
Desta escola saíria formado, Luís Serrão
Pimentel, engenheiro-mor de Portugal em 1663, que irá escrever um Tratado de
Fortificação. Mas é a partir da Restauração em Portugal com a necessidade de defender
as fronteiras com o reino vizinho que se criou uma escola de fortificação denominada de
" Aula de Fortificação e Arquitectura Militar" em 1647, leccionada por Serrão
Pimentel. Esta escola, que funcionava paralelamente à Escola de St.Antão, pretendia
ensinar a ciência e arte de fortificar que se tinha vindo a desenvolver na Europa com
sistemas de defesa e com tecnologias sofisticadas. A Escola Francesa e a Escola Holandesa
foram as escolas que mais contribuíram para o desenvolvimento a ciência da
fortificação. Foi com base nestas escolas e nos dois grandes tratados Portugueses "
O Méthodo Lusitânico de Desenhar as Fortificações das Praças Regulares e
Irregulares"de Luís Serrão Pimentel de 1680 e " O Engenheiro Português"
de Azevedo Fortes de 1720, que se pretendeu introduzir as novas tecnologias, aplicadas em
inúmeras cidades portuguesas em Portugal e no Brasil onde se começou a implementar uma
política de consolidação dum território.
Esta escola originou outras em Portugal
como a escola de Viana do Castelo oficializada em 1701 e leccionada pelo
engenheiro-militar Vila-Lobos que teve uma acção importante nas cidades fortificadas do
Norte de Portugal. Dado a necessidade de construção de fortalezas e sistemas de
fortificação adequados às novas tecnologias, várias escolas foram criadas no Brasil.
Em 1696 existia a aula da Baía chamada "Escola de Artilharia e Arquitectura
Militar", em 1698 no Rio de Janeiro que se denominava "Aula das Fortificações
e Arquitectura", e ainda outras Aulas foram criadas em Pernambuco e no Maranhão.
Para leccionar essa aulas eram nomeados engenheiros-militares em Portugal escolhidos pelo
engenheiro-mor. Nicolau de Abreu de Carvalho foi nomeado por Azevedo Fortes, então
engenheiro-mor do Reino, para ensinar a arte militar na Baía em 1723. Outros
engenheiros-militares como acção importante no Brasil foram destacados para o ensino,
como José Fernandes Alpoim e José António Caldas, o primeiro ligado à escola do Rio de
Janeiro e o segundo à da Baía 2. No século XVI o número de engenheiros a
servir a Índia, Africa e Brasil era cerca de 5 a 10 em cada destes locais, com o maior
número na India. A partir de meados do século XVII é o Brasil que aumenta esse número,
entre 1700 e 1725 , são 25 engenheiros-militares que servem o Brasil que corresponde à
abertura das aulas militares 3 .
A Circulação das Ideias e as Obras de
Fortificação
As primeiras intervenções e obras fora de
Portugal localizaram-se no Norte de África. Algumas intervenções limitaram-se a
construir fortalezas como em Larache, Alcácer Seguer, Arzila, e outras levaram à
criação ou amplição de núcleos urbanos fortificados como Ceuta, Tangêr e Mazagão. O
engenheiro-militar Miguel Arruda que esteve em Itália, e projectou, entre outras obras em
Portugal, a Torre de Belém, interviu nestas cidades com fortificações, construindo um
forte quadrangular em Mazagão no príncipio de quinhentos e que corresponde à sua
fundação, e projectou o primeiro sistema de fortificação em Ceuta, tendo percorrido
todas as obras nesta região. Em 1545 é a vez de João de Castilho conduzir as obras de
fortificação de Mazagão, segundo a traça de Benedeto de Ravena, italiano, que se
baseava no levantamento de muralhas segundo um polígono regular com baluartes e com um
traçado urbano recticular, onde na praça central se situava os principais edifícios
como a Igreja, a Casa do Governador e a primeira fortaleza depois transformada em
cisterna. Este projecto representava a cidade ideal renascentista localizada num porto
estratégico de abastecimento das naus na rota da Índia que esteve na posse da corôa
portuguesa até ao século XVIII. João de Castilho, que também esteve em Itália com
diversos mestres italianos, fez um percurso significativo da actividade dum
engenheiro-militar, percorrendo as principais obras de arquitectura em Portugal e outros
continentes. Em 1517 regressa a Portugal e é o mestre de obras do Mosteiro de Belém, em
1519 estava a dirigir as obras no Convento de Cristo em Tomar, em 1528 era mestre das
obras do Mosteiro da Batalha, e em 1542 foi enviado para o Norte de Africa para
fiscalização das obras que aí estavam a decorrer4.
Depois desta actividade no Norte de Africa
no século XVI, Portugal perde a maior parte das praças neste território e é o Oriente
e a costa oriental de Africa e Golfo Pérsico, o segundo campo de intervenção dos
engenheiros-militares. Em 1506 foi enviado Tomás Fernandes para Índia como "Mestre
das Obras d’el Rei" e dirigiu as obras das primeiras fortalezas em Diu, Cohim,
Onor, Mengalor, edificou o forte de S.Pedro em Goa em 1510 e ainda a fortaleza de Malaca e
provàvelmente outras mais serão da sua autoria. A forma destas primeiras fortalezas
levantadas nas costas marítimas do Oriente e Extremo Oriente variava entre quadradas,
rectangulares como Cambolim, Curiate, Soar, Quelba, Mormugão, Solor e outras
triangulares, como Sibo, Corfução, ainda com baluartes redondos e mesmos com torres de
menagem, como as fortalezas levantadas em África, a de S.Jorge da Mina na costa ocidental
e a de Sofala na costa oriental, à imagem das muralhas edificadas nessa época em
Portugal, no reinado de D.Manuel. No início da segunda metade do século XVI estas
fortalezas localizadas sempre junto ao mar e geralmente na foz dum rio vão ser
incorporadas na ampliação de novas muralhas, funcionando como cidadelas do novo recinto.
Francisco Pires em 1546 é o engenheiro-militar que dirigiu a refomulação da fortaleza
de Diu e introduziu na Índia o novo sistema dos baluartes em triângulo correspondendo à
nova tecnologia do "fogo cruzado ", ensinado nos tratados de fortificação
renascentista. A abertura dum fosso que separava a cidade da terra firma, sistema aplicado
para uma melhor protecção do ataque, e utilizado já em Ceuta como se pode observar pelo
relato de D.João de Castro, vice-rei da Índia, ao rei de Portugal, D.João III, no qual
se referia que " a nova fortaleza se fizera pollo debuxo de Ceyta"5.
Este arquitecto, antes de ser nomeado para a Índia, esteve antes na Ilha de Moçambique,
porto importante de abastecimento das naus no caminho marítimo para Índia e terá
projectado um forte para essa ilha.
Mas é só a partir de 1583 com a
intervenção de Giovani Cairati, nomeado engenheiro-mor da India, que a aplicação da
tratadística renascentista foi introduzida. Num período de meio século todas as
fortalezas foram remoduladas, o que corresponde à implementação duma política não só
comercial como de conquista de território. Cidades como Damão e Baçaim em 1589
apresentam então uma fortificação regular com baluartes, com um traçado de uma malha
rectilinea e com uma praça central. Cairati vai reformular outras fortalezas como Malaca,
dada a sua importância como porto de ligação ao Extremo Oriente e desenha o forte de
Mombaça na Costa de Africa Oriental na forma dum polígono quadrangular regular com
baluartes. Outras cidades começam a apresentar malhas mais regulares e com ruas mais
largas como Cochim, desenhada por Júlio Simão engenheiro-mor da Ìndia a partir de 1598,
Chaul, Nepatão , S.Tomé de Meliapor , Solor entre as inúmeras cidades portuguesas. A
localização das praças não são geralmente centrais e são por vezes várias, cada uma
com sua função, à imagem da tradição da cidade portuguesa.
As ilhas Atlânticas foram também a partir
do século XV um campo de experimentação de formação de novos núcleos como Angra do
Heroísmo, Ponta Delgada e Faial nos Açores e Funchal na Ilha da Madeira. No século XVI
estas cidades sofrem um crescimento acentuado e a sua estrutura urbana estabelece-se com
regras urbanísticas . Mateus Fernandes é enviado para o Funchal como "Fortificador
e Mestre das Obras" da ilha da Madeira. É ele que constroi a nova Fortaleza de S.
Lourenço e reforça o sistema de trincheiras junto ao mar, para além de intervir nas
obras públicas, sendo a Sé da sua traça. Estes técnicos enviados para dirigir as obras
nas cidades fundadas pelos portugueses em território fora de Portugal exerciam o papel de
fortificadores, aos quais era reconhecido um título, e também em muitas situações eram
"mestres de obras" desses locais, ou seja responsável por todas as obras
públicas.
O sistema de fortificação nas ilhas
baseou-se na implantação de fortes na costa junto às cidades, política tomada
principalmente a partir do início do século XVII, no reinado de Filipe II. O
engenheiro-mor Leonardo Turreano, nomeado em 1598, implementou uma política de
fortificação de inúmeras cidades que se consideravam sem sistemas adequados de defesa
contra os ataques dos franceses e holandeses, tanto nas Ilhas Atlânticas como no Brasil.
Foi construído o Forte de S.Filipe em Ângra no Monte Brasil que defendia a cidade, um
dos maiores fortes contruídos nessa época, e outros fortes junto à costa em Ponta
Delgada, Funchal e Horta.
Esta política de construção de fortes
irá aplicar-se também em toda a costa do Brasil a partir do início do século XVII e as
cidades principais como Rio de Janeiro e Baía irão ter projectos de fortificação. A
continuação duma política urbanística, vai se desenvolver agora no Brasil, que será
um campo de experimentação até o século XVIII. A partir do século XVII Portugal perde
as suas possessões no Oriente, reforçando a sua acção no Brasil, enquanto em África
mantinha alguns portos essenciais à carreira das naus como, Cacheu, S.Jorge da Mina,
S.Paulo de Luanda, e na costa oriental Sofala, Quiloa, Mombaça e a Ilha de Moçambique.
Nas cidades reais fundadas pela coroa no
Brasil, a tarefa da fundação e do seu traçado urbano e a sua administração ficaria
directamente ligada ao governo geral. Salvador da Baía irá ser a capital do Brasil e é
Luis Dias nomeado em 1549 "Mestre da Fortaleza e Obras de Salvador" levando
consigo a traça do novo núcleo fortiticado de autoria de Miguel Arruda, mestre das obras
reais e já referido nas obras da fortificação de Ceuta6. No princípio do
século XVII a cidade vai ter um projecto de fortificação, é mais uma vez Leonardo
Turriano com a participação de Tiburcio Spanochi, engenheiro-mor de Espanha, que em 1605
desenham esse novo sistema que não foi totalmente concretizado. Luis Frias de Mesquita,
nomeado engenheiro-mor do Brasil em 1603, projecta em Salvador o Forte do Mar, e ainda o
Forte de S. Diogo7. Mais tarde João Massé enviado para o Brazil intervém em
Salvador em 1713 desenhando um projecto de fortificação com o levantamento do traçado
urbano. Este engenheiro irá também projectar um sistema de fortificação para o Rio de
Janeiro.
A cidade do Rio de Janeiro fundada em 1570,
foi crescendo ao longo da linha da costa, e só mais tarde se estendeu para o seu
interior. Miguel de L’Escol, engenheiro-militar francês foi nomeado para dirigir as
obras de reestruturação do Rio de Janeiro. Desenhou sete projectos mas como se encontram
desaparecidos não se sabe ao certo se o desenvolvimento do traçado urbano será da sua
autoria8. Este engenheiro depois chamado a Portugal, no período da
Restauração, foi nomeado "Mestre de Todas as Obras de Fortificação" no Norte
de Portugal, desenhando sistemas de fortificação para cidades como Valença, Monção e
Chaves, e foi o percussor da Aula Militar da Escola de Viana. Jean Massé em 1713
projectou um sistema de fortificação da cidade do Rio de Janeiro, como já foi referido,
cujo traçado apresenta um desenvolvimento para o interior, enquanto a costa estava
protegida por fortes localizados à entrada da baía.
No Brasil, a partir do início do século
XVII são levantados inúmeros fortes criando um sistema de defesa ao longo de toda a
costa do Brasil. Luís frias de Mesquita projecta o Forte dos Reis Magos em Natal, e
outros fortes no Maranhão. O sistema de fortificação do Recife construído pelos
holandeses quando da sua ocupação, dirigidos pelo Conde de Nassau, importante
engenheiro-militar holandês, e completado mais tarde pelos portugueses foi um exemplo
importante de aplicação de teorias de fortificação. Paralelamente a este sistema,
novas cidades foram fundadas como Belém do Pará em 1616, S. Luís de Maranhão em 1615
no Norte do Brasil, Parati em 1660 e Colónia de Sacramento em 1680, no Sul. Estas cidades
vão apresentar uma malha regular e Colónia de Sacramento apresenta um sistema de
fortificação inserido nas regras semelhantes com os sistemas de fortificação
levantados então em Portugal em inúmeras cidades no período da Restauração.
Em Portugal também a partir do início do
século XVII são implantados fortes ao longo da costa de Portugal, os mais importantes se
deve ao engenheiro-militar Filipe Terzio, arquitecto das obras reais no reinado de Filipe
II, em que são exemplos o Forte de S.Sebastião em Viana do Castelo, Forte de S.Filipe em
Setúbal. Leonardo Turriano, Massai e outros como P. Falónio projectaram fortes na defesa
da barra de Lisboa, sendo o mais importante o Forte de S. Julião sobre o qual se fez
inúmeros projectos. No período da Restauração foi necessário fortificar as cidades de
fronteira para proteger dos ataques do reino vizinho e chamar de início
engenheiros-militares estrangeiros, como Cosmander e sobretudo franceses, como Nicolau de
Langres, Miguel de L’Éscol , visto o número de engenheiros em Portugal nessa época
ser diminuto e estarem distríbuídos por outros territórios, principalmente no Brasil.
Foi nessa época, em 1642 que foi constituída a Aula de Fortificação regida por Luís
Serrão Pimentel, intervindo ele próprio nas obras de fortificação de Évora, Estremoz,
Mourão, Portalegre entre outras praças do Alentejo. A actividade dos
engenheiros-militares em Portugal, no levantamento destas novas muralhas de fortificação
segundo as novas tecnologias vai-se estender pelo o século XVIII devido ao prolongamento
da guerra.
No Brasil, a partir do Século XVIII a
intervenção dos engenheiros-molitares vai incidir no levantamento de inúmeras cidades
agora mais no interio, inserido na política de D.João V e seguida pelo Marquês de
Pombal de delimitação e consolidação dum território. Essa política irá consolidar
uma escola de urbanismo que se estava a desenvolver, agora com não só com regras
urbanísticas estabelecidas nas cartas de fundação das cidades mas acompanhadas dum
plano de implantação. Parelamente continua-se a levantar fortes, como Forte Coimbra,
Forte da Príncipe da Beira, junto aos rios que estabelecem as fronteiras no interior. No
capitania de Mato Grosso cuja administração pertencia a Luís de Albuqerque foi uma das
regiões onde se criaram inúmeras vilas novas como Casal Vasco, Vila Maria do Paraguai e
Vila Bela de Santíssima Trindade, esta em 1741. Esta actividade estendeu-se pela zona
Amazónica e foram fundadas cidades como Macapá, Mazagão esta última desenhada por
Domingues Sambucetti que trabalhou no Forte Príncípe da Beira e assistiu também à obra
de Macapá. O engenheiro-militar Filipe Strum desenvolveu uma actividade importante na
fundação de vilas como Vila de Serpa e de Silviz fazendo parte duma expedição de
reconhecimento do território e levantamento comandada pelo Governador Francisco Xavier de
Mendonça Furtado. Outro engenheiro com uma acção importante no Sul do Brasil é José
Custódio de Sá e Faria que se formou em 1749 na Academia Militar das Fortificações em
Portugal e fez o levantamento da região sul do Brasil e o plano de defesa da ilha de St.
Catarina, elaborando o plano da vila e o sistema de fortes para sua defesa 9.
O Campo de Acção dos
Engenheiros-Militares
Com o início das Descobertas a acção dos
"Mestres de Obras", nome que designava, o arquitecto, o pintor, o escultor,
funções que muitas vezes exerciam simultâneamente, vai se extender para obras de
fortificação ligadas muitas vezes à estruturação da malha urbana. A necessidade duma
especialização a partir dos finais do século XVI leva à abertura de escolas mais
especializadas na arte de fortificar, mais dirigidas para militares que se intitulavam na
época " militar, com o exercício de engenheiro". Esta designação vai levar a
sua actividade, não só no desenho do sistema de fortificação mas também a todas as
obras públicas, de engenharia como levantamentos de pontes, abertura duma rua ,
construção dum cais, de levantamentos de cidades, de rios e regiões, como também por
sua vez vai estender-se à arquitectura civil.
Poderemos citar como exemplos deste ciclo
de actividade, Miguel Arruda no início de quinhentos, que é "Mestre de Obras
Reais" projecta também obras de fortificação no Norte Africa. João de Castilho
que o veio a suceder no cargo de Mestre projecta e acompanha as obras de fortificação e
de implantação do traçado em Mazagão, assim como dirige a obra importante de
arquitectura que foi a cisterna de Mazagão. Por outro lado temos exemplos no Brasil,
Luís Frias de Mesquita, Engenheiro-Mor, projecta não só fortes ao longo da costa do
Brasil, como define o traçado de S.Luís de Maranhão e dirige obras de arquitectura como
o mosteiro de São Bento no Rio de Janeiro, Igrejas matrizes de Olinda e Natal. O
engenheiro-militar José Fernandes Alpoim que lecionava a aula militar de fortificação
no Rio de Janeiro dirigia inúmeras obras da arquitectura como a casa do Bispo, o Convento
da Ajuda, a reestruturação do largo do Carmo no Rio de Janeiro.
Em Portugal outros exemplos podem ser
citados, Miguel de L’éscol e Vila-Lobos ambos engenheiros- militares que tiveram um
papel importante nas obras de fortificação no Norte de Portugal eram solicitados para
obras de arquitectura com intervenções na Sé de Braga e outras igrejas, como a Igreja
da Mesericórdia em Monção projectada por Vila-Lobos. Carlos Mardel que teve um
importante papel no plano de reestuturação de Lisboa Pombalina, tanto projecta a
reconstrução dum forte para Estremoz em Portugal como desenha o monumento para o Largo
do Carmo no Rio de Janeiro.
Este conhecimento alargado a diferentes
áreas permitia a estes técnicos que cada um entendesse a cidade na sua globalidade,
tanto ao nível do traçado urbano e da definição do seu limite, através da
construção de muralhas, como ao nível do edifício arquitéctónico estruturante do
espaço urbano, como é muitas vezes o papel de edifícios públicos e religiosos, como
igrejas, conventos, Paços de Concelho. Por outro lado estes diferentes níveis de
intervenção na cidade eram por vezes simultâneos e com vários intervenientes e
dificilmente numa obra se consegue distinguir quem traçou, ou quem executou.
Notas: 1 Luis de Albuquerque, A "Aula de Esfera" e do Colégio de St. Antão no Século XVII, Agrupamento de Estudos de Cartografia, Lisboa, 1972, vol.LXX, p.18
2 Sousa Viterbo, Diccionario Historico e Documental dos Architectos, Engenheiros Portuguezes ou a Serviço de Portugal, Lisboa, 1904, vol. II, p.133
3 Nestor Goulart Reis Filho, Contribuição ao Estudo da Evolução Urbana do Brasil (1500-1720), São Paulo, 1968, p.75
4 Sousa Viterbo, op. cit., p. 183-204
5Carlos de Azevedo, A Arte de Goa, Damão e Diu, Lisboa, 1970, p. 42
6 Paulo F. Santos, Formação de Cidades no Brasil Colonial, Coimbra,1968, p.82
7 D.Clemente Maria da Silva-Nigra, "Luis Frias de Mesquita, Engenheiro-Mor do Brasil", Revista do Património Histórico e Artístico Nacional, nº 9 (1945), p. 12-13
8Paulo Santos, op. ct., p.93
9 Benedito Lima de Toledo, "Ação dos Engenheiros no Planejamento e Ordenação da Rede de Cidades no Brasil. Peculariadades da Arquitectura e Morfologia Urbana, (texto policopiado, São Paulo, 1996), p. 47
Bibliografia
Albuquerque, Luis de, A "Aula de Esfera" e do Colégio de St. Antão no Século XVII, Agrupamento de Estudos de Cartografia, vol. LXX, Lisboa, 1972
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